A eleição em dois turnos acirra a tendência de polarização do debate político, uma vez que restam apenas dois candidatos e é preciso marcar as diferenças na disputa pelos votos. É uma pena quando a polarização se restringe ao caráter dos candidatos – que, claro, só pode ser bom (o meu) X ruim (o outro) ou à demonização do adversário via acusações de corrupção, alianças espúrias, intenções inconfessas, etc.
O debate político polarizado é bom quando se dá sobre os programas apresentados, sobre as propostas defendidas pelos candidatos. Mas também é uma pena que os dois candidatos finalistas à corrida presidencial não estejam dando a devida importância para seus programas – Dilma Rousseff ainda não apresentou o seu e Aécio Neves costuma defender propostas que não estão explicitadas em seu programa como, por exemplo, a redução da maioridade penal.
O que resta aos eleitores e movimentos sociais é pressionar para que os candidatos assumam os compromissos necessários para a transformação positiva do país. No campo da educação, o debate fica muito genérico. As manifestações de rua iniciadas em junho de 2013 e continuadas durante o ano seguinte, exigiam prioridade a esta área, qualidade, “escolas padrão Fifa”. Mas o que isso quer dizer?
A educação brasileira é classificada como ruim, de má qualidade, desde que o Brasil se tornou Brasil. Em determinados momentos se fala em “crise da educação” e, de fato, nunca houve um período estável de “educação de qualidade”. Por educação, subentendem-se sempre as instituições formais de ensino – escolas e universidades. Contudo, como isso é subentendido, o discurso corrente é que o brasileiro é um povo mal educado, ignorante. Ou seja, a confusão entre escolarização e educação facilita manifestações preconceituosas que, em épocas de final de campeonato, como o segundo turno, ganham ainda mais espaço.
Receita para atingir a qualidade da educação
O que aconteceu no Brasil nos últimos 24 anos no campo da educação básica foi uma política continuada de universalização do acesso ao ensino e adoção de estratégias específicas para sua qualificação. Estas políticas privilegiaram as avaliações externas com base em provas teste.
Data de 1990 a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), composto por um conjunto de avaliações externas em larga escala. Inicialmente aplicado em uma amostra de escolas, com o passar do tempo, o sistema foi se agigantando até atingir a totalidade das escolas públicas brasileiras em 2007. O principal elemento do Saeb é a Prova Brasil, composta por testes de múltipla escolha em Língua Portuguesa e Matemática.
O Sistema se completa com o índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que sintetiza – em uma escala de zero a dez – o nível de aprovação e a média de desempenho dos estudantes na Prova Brasil.
A confusão entre escolarização e educação facilita manifestações preconceituosas
Os resultados das escolas no Ideb determinam as demais iniciativas dos governos. Ou seja, a distribuição dos recursos técnicos e financeiros do governo federal para os governos estaduais, municipais e mesmo diretamente para as escolas é orientada por esse índice. As metas determinadas pelo governo federal para estados, municípios e escolas fazem com que a mesma lógica se reproduza em relação aos recursos estaduais e municipais: estes se direcionam para ações pedagógicas e administrativas voltadas à melhoria no desempenho dos estudantes na Prova Brasil.
Em síntese, há mais de duas décadas, o país vive uma continuidade na política educacional brasileira no que se refere à busca pela qualidade das escolas. Trata-se de uma política baseada, sobretudo, em provas teste para medir desempenho dos estudantes em disciplinas determinadas. Dada tal continuidade, hoje é possível avaliar seus resultados nos últimos dez anos.
Em 2005, o Ideb do país foi 3,8 (anos iniciais do ensino fundamental), 3,5 (anos finais) e 3,4 (ensino médio). Em 2013, atingiu-se 5,2, 4,2 e 3,7 para os mesmos anos, respectivamente. Quer dizer, as escolas do país ensinam menos de 50% do que se espera.
Mesmo quem considera que são adequados os indicadores utilizados para avaliar a qualidade da educação básica, reconhece que ela está muito mal e que não tem melhorado significativamente, a despeito dos inegáveis avanços da última década em relação à democratização do acesso à educação formal, desde o ensino fundamental até o superior.
O remédio que se mostrou veneno
A promessa de que a utilização de “indicadores objetivos”, semelhantes aos utilizados nos países ricos, faria com que conquistássemos a tão almejada qualidade da educação não foi cumprida.
De fato foi esta política baseada em provas e testes de avaliação de desempenho de estudantes em disciplinas específicas que terminou por solapar o sentido da escola. Municípios e governos passaram a premiar com abono salarial as equipes escolares que atingissem as metas, os professores passaram a treinar os estudantes para melhorar seu desempenho nos testes. Ranqueamentos de escolas e municípios tornaram-se a principal notícia dos meios de comunicação, o grande pavor de secretários de educação e diretores de escola e motivo de vergonha de professores, estudantes e pais.
O efeito final de tudo isso foi a redução do papel da escola ao ensino das técnicas mínimas para responder a testes. Claro que isso não motiva nem estudantes, nem educadores, nem famílias e a escola permanece desqualificada e desvalorizada.
Eleições 2014: uma ruptura?
Nos últimos anos, pesquisadores, educadores e movimentos sociais – percebendo os resultados nefastos desta política – começaram a reivindicar novas possibilidades. Entre elas, o fortalecimento das políticas de educação integral, que focam no desenvolvimento dos estudantes em todas suas dimensões; a criação de estratégias para a valorização das competências sociais e afetivas; a necessidade de uma formação do cidadão que promova a democracia e os direitos humanos; além da participação dos educadores e da sociedade em geral na formulação e avaliação das políticas.
Até o dia 26 de outubro, há uma janela aberta para que essas propostas sejam apresentadas e os movimentos sociais possam pressionar os candidatos a se comprometer com uma política educacional efetivamente nova e que assegure a qualidade da educação brasileira.
* Helena Singer é socióloga e diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz. Ajudou a fundar o Instituto de Educação Democrática Politeia e o Núcleo de Psicopatologia, Políticas Públicas de Saúde Mental e Ações Comunicativas em Saúde Pública da Universidade de São Pauo (NUPSI-USP). É autora de “República de Crianças: Sobre Experiências Escolares de Resistência” e “Discursos Desconcertados”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário