Para que se possa auferir a gradação da deficiência, é preciso medir a interação das limitações físicas com as barreiras existentes, que irão delimitar as dificuldades e impedimentos suportados.
Resumo: Um dos grandes desafios da modernidade é a adequação dos direitos sociais constantes na Carta Magna e a sua prestação efetiva, onde passa a haver a exigência do Estado como agente protecionista. O artigo inicia com as normas constitucionais e infraconstitucionais na seara previdenciária da aposentadoria especial ao deficiente. A seguir, passa-se a discorrer sobre os tipos de deficiência, sua graduação e seu enquadramento na legislação. Discute-se a seguir a aplicação da norma de forma a ter sua eficácia plena.
1. Introdução
Uma analise histórica, não só no Brasil, mas também de outras culturas e países, expõe ao longo dos anos situações de eliminação e exclusão dos indivíduos que apresentavam algum tipo de deficiência. Com o passar dos anos, os deficientes começaram a ser integrados na sociedade, primeiramente com um olhar sob a ótica da saúde, da necessidade de receber do Estado especial proteção, e mais recentemente através de medidas de inclusão social, visando sua integração no mercado de trabalho e na sociedade como um todo.
Entretanto, por mais que se tenha caminhado nesta direção, não há como não se reconhecer a desigualdade de condições, de oportunidades. Não há como igualar pessoas que enfrentam barreiras físicas e sociais das outras que não as enfrentam. Há necessidades especiais a serem supridas.
Um dos grandes desafios da humanidade é a promoção da igualdade, em todas as suas nuances. Quando se fala deste principio constitucional, obrigatoriamente há que se fazer remissão àqueles que estão em condições de desigualdade e por tal motivo há uma efetiva razão para o tratamento desigual.
Através da edição de leis, buscou-se criar condições de acessibilidade física e de inclusão no mercado de trabalho, para que cada vez mais estes indivíduos se integrem na sociedade, afastando a necessidade de atuação do aparelho estatal na forma de assistencialismo social.
Com a edição da Lei de Cotas para deficientes, estes passam a integrar o mercado de trabalho, representando hoje um enorme contingente economicamente ativo. Entretanto, não se pode aqui afastar que as condições enfrentadas pelos deficientes não se igualam aos outros trabalhadores, nascendo uma nova realidade a ser enfrentada, que é a aposentadoria destas pessoas de forma diferenciada, de forma a preservar sua particularidade face as demais.
Depois de um longo tramite legislativo, regulamentou-se a aposentadoria especialíssima do deficiente, mas, sem, contudo, estancar de vez as dificuldades a serem enfrentadas para a sua concessão.
O presente trabalho objetiva analisar as gradações das deficiências, sua avaliação pelo INSS e as dificuldades de sua concessão.
2. Das Normas Protetivas do Deficiente
Sendo objetivo fundamental do Brasil constante na Lei maior, a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou qualquer discriminação, inclusive no tocante a salários e forma de admissão do trabalhador portador de deficiência, cabia ao Poder Público disciplinar normas que visassem o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social.
Além das normas constitucionais, leis civis foram promulgadas em todos os níveis federativos que vieram de encontro aos direitos das pessoas portadoras de deficiência em conformidade com os princípios gerais do direito consagrados em nosso ordenamento jurídico.
A Lei nº 8.213/91 que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência, instituiu a obrigatoriedade das Empresas contratarem deficientes em seus quadros, bem como as providências para a contratação de portadores de necessidades especiais.
Nos termos do Art. 93 – A empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção:
– até 200 funcionários… 2%
– de 201 a 500 funcionários… 3%
– de 501 a 1000 funcionários… 4%
– de 1001 em diante funcionários… 5%
Com a adoção da Lei de Cotas, os deficientes passaram a integrar o mercado de trabalho, fazendo jus aos mesmos benefícios previdenciários dos demais trabalhadores, sem, contudo um olhar diferenciado quanto as barreiras sociais e as dificuldades físicas enfrentadas.
Sensível a isto, através da Emenda Constitucional 47/05 foi inserido na Constituição Federal, no seu artigo 201:
Parágrafo 1º: É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
A aposentadoria especial, com previsão constitucional, se encontra regulado pela Lei Complementar 142 de 2013, vindo a seguir o Decreto nº 8.145/13, alterando o Regulamento da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, para adequá-lo às disposições sobre à aposentadoria da pessoa com deficiência. A Portaria interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 01 de 27/01/14 trouxe a definição legal sobre os graus de deficiência, a forma de avaliação, bem como definiu impedimento de longo prazo.
3. Enquadramento do deficiente face a legislação
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (parágrafo 3º, do artigo 70-D do Decreto 3.048/99).
O reconhecimento da aposentadoria especial para o deficiente traz um redutor no tempo de serviço necessário para a aposentadoria, havendo uma redução de dois anos para o grau leve, seis anos para o moderado e dez anos para o grau grave.
O grande desafio trazido pela Legislação é como fazer esta gradação num universo gigantesco, cheio de particularidades. Estabeleceu-se assim, a competência pericial do INSS para esta avaliação, através de avaliação médica e funcional.
Coube a Portaria Interministerial n.º 01, de 27 de janeiro de 2014, elaborada em ato conjunto, aprovar o instrumento destinado à avaliação do segurado, com objetivo de identificar os graus de deficiência, bem como definindo impedimento de longo prazo. Esse documento também estabelece o prazo de dois anos para identificar e avaliar os deficientes para efeito de aposentadoria, podendo ser prorrogado se houver necessidade. Esse prazo fixado é fundamental, pois permitirá que o segurado já tenha uma previsão de quando poderá se aposentar e, não concordando com a avaliação da perícia médica, haverá possibilidade de discutir na justiça.
A portaria estabelece que a avaliação médica e funcional seja feita conjuntamente entre a perícia médica e o serviço social e será feita tendo como base a classificação internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da OMS e mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro aplicado para fins de Aposentadoria, nos termos do anexo.
A portaria representa um enorme avanço, pois se adéqua ao conceito atual de deficiência, que não pode ser mais só analisado somente através de critérios médicos, mas também os impedimentos de longo prazo, as barreiras com que estes impedimentos irão interagir e a desigualdade de oportunidade de participação plena e efetiva na sociedade em relação às demais pessoas.
Para que alguém seja considerada pessoa com deficiência, alguns critérios terão que estar presentes e estes critérios para determinação de pessoa com deficiência estão inseridos no próprio conceito, quais sejam, impedimentos de longo prazo, as barreiras e a desigualdade de oportunidade como resultado da interação do primeiro com o segundo elemento.
Entretanto, ainda há um longo caminho a ser trilhado administrativamente, não sendo os instrumentos criados totalmente hábeis para dirimir de vez com toda a problemática que envolve a questão.
No tocante ao impedimento de longo prazo, define a portaria o lapso temporal mínimo de dois anos para que este seja caracterizado, o que poderá conflitar com o caráter aberto do conceito de deficiência. Há de ser mensurado o que este impedimento impõe a vida da pessoa, quais as consequências trazidas no desenvolvimento de suas atividades do dia a dia. Mais adequado seria sua fixação dentro do caso concreto.
No que concerne à avaliação conjunta por peritos médicos e assistentes sociais, o modelo aproxima-se do caráter social, mais a participação destes dois profissionais não exaure todas as situações a serem examinadas.
4. Dos critérios do exame
O segurado será submetido a avaliação pelo perito médico, onde após ser identificado e caracterizado, será feita uma avaliação médica, resultando em um diagnóstico médico, que deverá enquadrar-se na Classificação Internacional das Doenças (CID 10), a causa principal e as sequelas ou impedimentos. Constata-se qual o tipo de deficiência, podendo haver associação de deficiências e se há alterações das funções corporais.
A avaliação passa então a avaliar outros aspectos, como a descrição da atividade desenvolvida, visando auferir com que independência o segurado exerce sua atividade, pontuando-se de acordo com a resposta dada.
Identifica-se então, as barreiras externas, que são os fatores ambientais que influem na realização das atividades habituais, tanto as facilitadoras como as limitadoras. Estes fatores externos avaliados são a melhora da funcionalidade pelo uso de produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia, não se incluindo ajuda humana; O ambiente natural ou físico; Apoio e relacionamento, englobando apoio físico ou emocional prático, educação, proteção e assistência, e de relacionamento com outras pessoas em todos os aspectos da vida.; Atitudes da sociedade que influenciam a vida da pessoa avaliada; Serviços, Sistemas e Políticas (garantias sociais ás pessoas com deficiência).
Aplicação do Método Linguístico Fuzzy, no qual, dentro de cada deficiência, são utilizadas três condições que descrevem o grupo de indivíduos, em situações de mais comprometimento funcional.
Os dados obtidos em cada etapa da avaliação são ao longo do processo inseridos em formulários próprios constantes do anexo, onde se atribui pontos de acordo com a funcionalidade constatada em cada atividade.
Ao término, de acordo com os scores de pontuação, é feita a classificação da deficiência em seis graus ou se inferior aos padrões mínimos, constatado a ausência de deficiência.
A legislação, na definição de pessoas com deficiência, traz um conceito aberto e social, e qualifica como sendo uma condição de determinada pessoa, a qual, interagindo com barreiras estruturais, urbanísticas, atitudinais, de comunicação, além de outras, tenha impedimento ou dificuldade de usufruir da sociedade em todas suas possibilidades, em qualquer espaço ou ambiente, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Conforme se vê, é um conceito por demais amplo, que dificilmente será possível de ser compreendido apenas através da avaliação por médico e assistente social. A avaliação a ser feita extrapola a competência destes profissionais. Impõe-se uma avaliação multidisciplinar, que por certo, envolve diversas especialidades.
Para que se possa auferir a gradação da deficiência, há dois aspectos a serem observados. O primeiro trata da limitação física, orgânica, anatômica ou de cognição. A partir do diagnóstico médico, feito através de sinais e sintomas, complementado ou não por exames, o medico perito estará apto a determinar a deficiência e sua gravidade.
Outro aspecto é o da interação das limitações físicas com as barreiras existentes, que irão delimitar as dificuldades e impedimentos, suportados em relação a usufruir em igualdade de oportunidade com as demais pessoas. Há que ser feita uma avaliação multidisciplinar, que vai além da competência do médico e do assistente social. Precisa-se do suporte de outros profissionais, como terapeutas ocupacionais, engenheiros, arquitetos, educadores, enfim, de profissionais capacitados que requererão cada caso concreto.
Não se pode esquecer ainda que a aposentadoria é um ato vinculado da administração, ou seja, preenchidos os requisitos há que ser concedida. Não há discricionariedade.
Se hoje as perícias feitas pelo INSS são tão ineficientes e injustas, objeto de tanta celeuma, fica difícil visualizar que as concessões nesta aposentadoria sejam pautadas naquilo que a lei estabelece.
O modelo social sustenta que a exclusão não é resultado dos impedimentos corporais, mas das barreiras sociais.(CORKER; SHAKESPEARE, 2004).
Segundo dados do último Censo realizado no Brasil em 2010, existem mais de quarenta e cinco milhões de brasileiros que apresentam algum tipo de deficiência, que corresponde a 23,9% da polução total do país. Nesse percentual, as pessoas com deficiência integram o mercado de trabalho, seja o formal ou o informal, mas contribuem com a previdência social.
5. Conclusão
Não se pode afastar que tanto o conceito de deficiência como a legislação especifica para proteção dos direitos inerentes aos mesmos evoluíram muito ao longo do tempo.
Entretanto, para que haja a completa aplicação da lei, pautada nos princípios constitucionais, há que se ter uma visão integral das pessoas com deficiência e uma visão holista do trabalho, que compreenda a interação desses indivíduos em diferentes esferas da sociedade.
Imprescindível que se tenha um olhar acurado acerca da integralidade do indivíduo com deficiência e suas experiências na vida em sociedade. Há que se buscar a perspectiva ampla do conceito de deficiência e o entendimento que o trabalho transcende, e muito, o tempo trabalhado e as atividades desenvolvidas. Essas questões são curiais para aplicação do Índice de Funcionalidades Brasileiro para a Aposentadoria (IFBrA).
É preciso que se evite injustiças previdenciárias na antecipação do tempo regulamentar de aposentadoria ao classificar a gravidade de enfrentamento destas barreiras.
A única maneira para que isso não ocorra seria uma avaliação multiprofissional, com concurso de especialistas que convivem com avaliação funcional e de desempenho. Não há como tentar criar um modelo dentro de um padrão, pois vão existir pessoas com condições biológicas parecidas e com barreiras sociais muito diferentes.
É necessária esta reflexão, a compreensão das dificuldades que irão surgir nestas avaliações, que se realizadas na forma regulamentada, sem a concorrência de todos os profissionais aptos na determinação das gradações das deficiências, transformarão em letra morta a conquista desta aposentadoria, criando mais uma barreira a ser enfrentada pelos deficientes físicos.
6. Referências
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988, Brasília, 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/Constituição. Htm>. Acesso em: 12 jun.2014.
__________. Decreto n 8.145, de 3 de dezembro de 2013.
__________. Lei Complementar n. 142, Regulamenta o § 1o do art. 201 da Constituição Federal, no tocante à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, de 08 de maio de 2013. Brasília, 2013. Diário Oficial da União. Disponível em:. Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 47, Emenda Constitucional, de 05 de julho de 2005. Brasília, 2005. Diário Oficial da União. Disponível em:. Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 8.742, Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências, de 07 de dezembro de 1993. Brasília, 1993. Diário Oficial da União. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. >. Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 8.213, Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, de 24 de julho de 1991. Brasília, 1991. Diário Oficial da União. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. >. Acesso em: 12 jun.2014.
__________. Portaria Interministerial SDH/MF/MOPG/AGU n 1, de 27 de janeiro de 2014.
CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Disponível em:. Acesso em: 13 jun.2014.:. Acesso em: 13 jun.2014.
CORKER, Mairiam; SHAKESPEARE, Tom. Mapping the terrain. In: CORKER, Mairiam; SHAKESPEARE, Tom (Ed.). Embodying disability theory. London: Continium, 2004. P. 1-17.