sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O que é autismo e como você pode ajudar na inclusão

Transtorno do desenvolvimento afeta a interação social, mas não impede que potencialidades sejam trabalhadas

 Ele passou a vida inteira na realidade do seu próprio mundo, com corpo de adulto e coração e alma de criança.
A frase que emocionou o país  nesta semana partiu da voz embargada de Jô Soares, que dedicou parte de seu programa na segunda-feira para homenagear ofilho autista. Rafael Soares, 50 anos, morreu na última sexta-feira vítima de um câncer no cérebro, doença contra a qual lutava há um ano.
Embora tenha sido tema de diversos filmes, como Rain Man e Temple Grandin, e até aparecido em uma novela da Rede Globo, Amor à vida, o autismo ainda é pouco compreendido e precisa romper preconceitos, segundo especialistas. Quem pesquisa o transtorno defende que é essencial entender as limitações dos autistas, para poder impulsionar suas qualidades, e que oferecer um tratamento acolhedor no dia a dia é o caminho para a inclusão.
Para explicar o que é o autismo e como é possível ajudar na inclusão de quem foi diagnosticado, Zero Hora ouviu a psicóloga com mestrado em Transtornos do Desenvolvimento Maíra Ainhoren Meimes, a pedagoga especialista em Educação Especial e com mestrado em Psicopedagogia Maria Célia Rossetto e a presidente do Instituto Autismo & Vida Claudia Meyer.

O que é o autismo?
O autismo é considerado um transtorno global do desenvolvimento, chamado atualmente de Transtorno do Espectro Autista (TEA), que afeta as capacidades sociocomunicativas. Ou seja, os autistas têm dificuldades para se comunicar e interagir socialmente. Há vários graus de autismo, desde o mais leve, em que os autistas apresentam elevadas habilidades intelectuais, ao mais grave, em que a fala também é afetada. Alguns autistas conseguem apreender em minutos conteúdos que nunca estudaram antes, porque o processamento do cérebro é diferente, mas, mesmo assim, têm dificuldades comunicativas, como não conseguir entender a linguagem figurada. Pode ser uma pessoa que desenha muito bem, mas não se dá conta de negociar seu trabalho em uma galeria de arte, por exemplo. A perspectiva de contexto dos autistas é mais restrita.

Como identificar o autismo?
O autismo é identificado na infância, no início do desenvolvimento. Em geral, o transtorno é diagnosticado após os três anos, mas é possível que os pais identifiquem os sintomas antes. Crianças com autismo apresentam dificuldade de manter a coordenação entre os canais comunicativos: a voz, o olhar e os gestos. Um exemplo disso é a dificuldade de manter um contato visual direcionado quando os adultos apresentam um objeto na hora da brincadeira. Outro sintoma do autismo são os comportamentos repetitivos e a necessidade de manter uma rotina rígida, com horários fixos e com a mesma forma de lidar com as situações.
Como o autismo é diagnosticado?
O autismo é diagnosticado por observação de conduta, por mais de um profissional, como psicólogos, psiquiatras e neurologistas. Embora seja possível identificar sintomas antes dos três anos, é a partir dessa idade que o diagnóstico de autismo pode ser considerado preciso. Embora o autismo não seja diagnosticado por meio de um exame, é preciso que o paciente passe por avaliações médicas que descartem outras hipóteses.

Qual o tratamento para o autismo?
Não há um método único para tratar os autistas, pois cada pessoa necessita de um acompanhamento específico. No entanto, é importante que o tratamento do autismo seja feito por meio de uma abordagem multidisciplinar, com auxílio de diferentes profissionais, como médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e professores especializados em educação inclusiva. O objetivo do tratamento é desenvolver as habilidades dos autistas e trabalhar para que suas dificuldades afetem cada vez menos sua vida. Normalmente, os autistas recebem atendimento por meio da psicologia comportamental e do reforço pedagógico.
Qual a capacidade de independência dos autistas?
Depende do grau do transtorno. Quando os autistas têm uma deficiência intelectual associada ao transtorno, o quadro de dependência é maior. Em outros casos, é possível estudar e trabalhar. Há autistas que conseguem cursar faculdade e têm sucesso nas atividades profissionais que exercem.


Tracy Smith, Stock.Xchng
Como a família deve conviver com o autismo?
A família tem de acolher a criança e procurar ajuda profissional para acompanhar seu desenvolvimento, para que o autista possa ter o máximo de independência possível. É interessante que a família tenha um profissional de referência, que integre o trabalho de todos que atuam com a criança. Quando a família também é acompanhada por psicólogos, fica mais fácil conviver com os autistas e incluí-los nas atividades.

Como a escola precisa trabalhar com os autistas?
Os autistas devem estudar em escolas regulares, embora alguns pais prefiram escolas especiais, principalmente quando há uma deficiência intelectual associada ao transtorno. A escola deve ser inclusiva e fazer flexibilizações curriculares, tendo o cuidado de colocar os autistas em turmas menos numerosas, para que os professores possam atender suas demandas individuais. Por lei, as escolas devem oferecer monitores quando necessário aos autistas, mas é preciso que eles tenham o cuidado de não excluir o aluno do convívio com o restante da turma. A legislação também prevê que as escolas ofereçam classes multifuncionais no turno inverso das aulas, para que os autistas trabalhem suas dificuldades específicas de aprendizagem e desenvolvam suas qualidades.


Como é o mercado de trabalho para os autistas?
Os autistas conseguem vagas no mercado de trabalho via lei de cotas para deficientes, mas é preciso que o ambiente das empresas seja acolhedor.
Como a sociedade deve incluir os autistas?
Entendendo que eles possuem dificuldades sociocomunicativas e buscando conhecer suas qualidades, que podem ser desenvolvidas. É importante também não exigir dos autistas habilidades que eles não conseguem desenvolver. Quando uma pessoa é cega, não se espera que ela volte a enxergar. Da mesma forma, não se deve exigir dos autistas que eles se comuniquem como pessoas sem o transtorno.
Os autistas enfrentam preconceitos?
Sim. O Instituto Autismo & Vida recebe o relato de diversas situações de preconceito, até de professores. Em um caso, uma menina de sete anos passou a ser excluída pelos colegas das brincadeiras. Há também casos de discriminação dos pais dos autistas nas filas preferenciais. Por não ser um transtorno identificado visualmente, os pais que precisam esperar com os filhos nas filas muitas vezes são tratados como “aproveitadores” e têm de explicar com frequência o porquê escolheram o guichê preferencial. Eles têm de dizer o quanto esperar é uma dificuldade para os filhos e, mesmo assim, às vezes são tratados com rispidez.​

Nenhum comentário:

Postar um comentário