sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Relações entre pares na infância e seu impacto sobre o desenvolvimento das crianças

Introdução
Os pesquisadores de desenvolvimento humano sempre chamaram a atenção para a importância dos pares de idade, especialmente na adolescência, quando os pares podem facilitar mutuamente comportamentos antissociais. Supôs-se frequentemente que os pares fossem menos importantes na primeira infância, quando são mais influentes as relações com membros da família. No entanto, a pesquisa recente evidencia claramente que até mesmo os bebês convivem com pares, e que algumas crianças de três e quatro anos de idade já estão tendo dificuldades de aceitação por seus pares. Problemas precoces entre pares têm consequências negativas para o desenvolvimento social e emocional posterior da criança. Para compreender porque algumas crianças acham difícil relacionar-se com seus pares, é importante estudar o desenvolvimento de relações entre pares na infância.
Do que se trata
O tema relações entre pares na infância é relevante para formuladores de políticas e provedores de serviços nos setores de educação, assistência social e saúde mental. Na sociedade ocidental, praticamente todas as crianças são educadas em companhia de pares; em alguns países, como o Reino Unido, a educação compulsória tem início aos quatro anos de idade. Relações problemáticas entre pares podem ter efeitos adversos na transição para a escola, com consequências subsequentes para o sucesso acadêmico. Além disso, até mesmo bebês e crianças pequenas convivem frequentemente com pares em programas informais entre os pais ou em serviços formais de cuidados na infância.  Há muito interesse no impacto de cuidados precoces na infância sobre o desenvolvimento, mas relativamente poucos estudos investigaram efetivamente a qualidade das relações entre pares no contexto de cuidados na infância. É especialmente importante estudar as relações entre pares em crianças com necessidades educacionais especiais. O princípio de inclusão de crianças com necessidades especiais no sistema educacional regular baseia-se na premissa de que é benéfico para essas crianças conviver com pares que têm desenvolvimento típico; no entanto, quando essas experiências são muito negativas, experiências entre pares podem interferir com os objetivos educacionais.
Problemas
Há diversos problemas importantes a serem abordados, que podem ser enquadrados nas seguintes questões:   
  1. Quando se desenvolve a capacidade das crianças de relacionar-se com outras crianças da mesma idade? 
  2. Quais habilidades promovem as relações iniciais entre pares? 
  3. Por que algumas crianças pequenas têm menos probabilidade de serem aceitas por seus pares?
  4. As relações entre pares na infância têm impacto de longo prazo sobre o desenvolvimento da criança?
Contexto de pesquisa
As informações provêm de um conjunto diversificado de estudos, que incluem estudos experimentais e observacionais de interações de bebês e de crianças pequenas com seus pares; estudos longitudinais de desenvolvimento social da criança; estudos educacionais e psicológicos de adaptação das crianças a cuidados na infância e à creche; estudos sociais, psicológicos, sociométricos e etológicos de redes sociais e de relações de dominação em crianças pequenas.
Resultados relacionados às questões-chave de pesquisas recentes
1. Quando se desenvolve a capacidade das crianças de relacionar-se com seus pares?
A maioria dos bebês e das crianças pequenas encontra com parceiros de idade regularmente, e algumas vivenciam relações duradouras com determinados pares a partir do nascimento.1 Por volta dos seis meses de idade, os bebês comunicam-se com outros bebês por meio de sorrisos, contatos físicos e vocalizações. No segundo ano de vida, apresentam tanto comportamentos pró-sociais como comportamentos agressivos em relação aos pares, sendo que algumas crianças são claramente mais agressivas do que outras.1-4
2. Quais habilidades promovem as relações iniciais entre pares?
Embora muitos pesquisadores tenham descrito relações precoces entre pares, relativamente pouca atenção foi dedicada às habilidades emocionais, cognitivas e comportamentais que subjazem à capacidade de interagir harmoniosamente com pares. Sugeri que as relações iniciais entre pares dependem das seguintes habilidades que se desenvolvem durante os dois primeiros anos de vida: (a) administração da atenção conjunta; (b) regulação de emoções; (c) inibição de impulsos; (d) imitação de ações do outro; (e) compreensão de relações de causa e efeito; e (f) competência linguística.5Deficits nessas habilidades podem ser compensados quando as crianças interagem com adultos competentes, como seus pais ou educadores, ou com irmãos mais velhos tolerantes; no entanto, parceiros que também estão desenvolvendo gradualmente essas habilidades podem ser menos tolerantes e, portanto, um ambiente de pares de idade pode ser particularmente desafiante. Crianças com distúrbios de desenvolvimento que têm suas habilidades de atenção6 e de imitação7  comprometidas e crianças com vocabulário limitado2 correm mais riscos, o que pode explicar algumas das relações problemáticas em turmas inclusivas de pré-escola.8
3. Por que algumas crianças pequenas têm menos probabilidades de serem aceitas por seus pares?
Um grande volume de pesquisas sobre relações entre pares utilizou métodossociométricos, nos quais as crianças nomeiam os parceiros de quem gostam e (algumas vezes) de quem não gostam. Esses métodos mostram que algumas crianças são aceitas por seus pares, enquanto outras são ou ativamente rejeitadas, ou ignoradas. A aceitação pelos pares é afetada por muitos fatores da vida da criança, tais como suas relações em casa com seus pais e irmãos, a relação entre os pais e os níveis de apoio social da família.5 No entanto, a aceitação pelos pares é mais diretamente afetada pelo comportamento da própria criança. Os estudos mostram que crianças muito agressivas não são aceitas pelos pares,9 mas isso pode depender de gênero.10 Além disso, pode ser a ausência de comportamento pró-social, e não a presença de agressão, que promove a rejeição pelos pares.11,12Em algumas circunstâncias, o comportamento agressivo associa-se positivamente com competência social.13
Crianças tímidas também têm problemas de aceitação em seus grupos de pares. A timidez na primeira infância tem sido associada ao temperamento da criança e a reações emocionais anteriores a situações novas, e às relações de apego; crianças pré-escolares tímidas têm mais probabilidade do que outras de ter mães que vivenciaram fobias sociais.14-16
4. As relações entre pares na infância têm impacto de longo prazo sobre o desenvolvimento da criança?
Há associações claras entre as relações entre pares no início da vida e aquelas que ocorrem em fases posteriores da infância. Por exemplo, crianças pequenas que se envolveram em brincadeiras complexas com seus pares mostraram-se mais competentes na interação com outras crianças nos anos pré-escolares e na média infância.17 Ser aceito pelos pares na primeira infância é um preditor de relações posteriores com pares. Crianças que não tinham amigos no jardim de infância ainda tinham dificuldades com pares aos 10 anos de idade.18 Não está claro, no entanto, se os problemas precoces com pares efetivamente causam os problemas posteriores, ou se são ambos causados por outros fatores de risco na família e na escola e por tendências comportamentais e deficits de habilidades que dificultam a aceitação pelos pares. No entanto, as raízes da rejeição pelos pares estão nos primeiros anos da infância, e essa rejeição associa-se a menos realizações educacionais, mesmo quando são levadas em consideração muitas outras influências causais.19 Dito de outra forma, ter amigos na primeira infância parece proteger as crianças contra o desenvolvimento de problemas psicológicos mais tarde.19
Conclusões
Os pares de idade desempenham papéis importantes na vida das crianças em fases de desenvolvimento muito anteriores ao que poderíamos imaginar. As experiências nos primeiros dois ou três anos de vida têm implicações para a aceitação das crianças por seus colegas na creche e nos anos escolares posteriores. Crianças competentes nas suas relações com seus pares em idades precoces e aquelas que apresentam comportamentos pró-sociais têm probabilidade particularmente alta de ser aceitas por seus pares. Crianças agressivas são frequentemente rejeitadas pelos seus pares, embora a agressividade nem sempre exclua a aceitação. É evidente que relações entre pares colocam desafios especiais para crianças com distúrbios e para outras que não têm as habilidades emocionais, cognitivas e comportamentais subjacentes a interações harmoniosas. Para crianças com problemas comportamentais e emocionais precoces, o risco é exacerbado pela rejeição que vivenciam por parte dos seus pares. Inversamente, amizades e relações positivas em grupos de pares desde cedo na vida parecem proteger as crianças contra problemas psicológicos posteriores.
Implicações para formuladores de políticas e provedores de serviços
A evidência revista aqui desafia crenças arraigadas sobre a importância dos pares no desenvolvimento inicial. Se houve uma fase em que pensamos que os pares começavam a ter influência sobre as crianças durante os anos de escola primária e na adolescência, atualmente parece possível que interações muito precoces entre pares, em casa e em contextos de creche, possam criar o cenário para problemas posteriores. Ao mesmo tempo, esses dados sugerem que é possível atuar precocemente para prevenir esses problemas. Uma vez que a aceitação pelos pares está associada à melhor adaptação psicológica e melhores realizações educacionais, programas que favoreçam a competência precoce para as relações entre pares terão implicações para as políticas educacionais e de saúde mental. Os dados levantam também questões desafiadoras sobre políticas de inclusão para crianças com necessidades educacionais especiais. Os problemas observados em pré-escolas inclusivas podem decorrer de deficits subjacentes que poderiam ser tratados diretamente. Portanto, é importante que os formuladores de políticas e os provedores de serviços considerem formas de facilitar relações positivas de crianças pequenas com seus pares.

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