domingo, 29 de março de 2015

Maria Antônia Goulart, advogada: ‘Impomos muito mais limites que a síndrome’


Especialista em políticas públicas da educação integral, gaúcha que mora no Rio é uma das idealizadoras do Movimento Down, criado após dar à luz Beatriz
 
Conte algo que não sei.
Foi o Brasil que apresentou à ONU a proposta de transformar o 21 de março no Dia Internacional da Síndrome de Down. Isso não é muito sabido. O dia é simbólico porque se refere aos 3 cromossomos 21, que caracterizam a síndrome. Patricia Almeida, casada com um diplomata que estava em Nova York numa missão da ONU, e Cristiane Aquino, que era diplomata em Washington, por intermédio do Itamaraty, conseguiram o feito. As duas têm filhos com a síndrome. O Movimento Down começou aí.
Quando soube que teria uma filha com Down?
Assim que Beatriz nasceu. Na gravidez fiz o exame de translucência nucal, mas não acusou. É algo que acontece. Hoje há exames mais modernos, mas ainda muito caros.
Você teve mais filhos?
Tenho o Luiz, de 19 anos, a Beatriz, de 4, e a Marina, de 2. O geneticista que nos acompanhou deu um só conselho: tenha outro filho. Ajuda muito, tanto para a criança quanto para a família.
Como é a relação das pessoas com a síndrome?
As pessoas desconhecem o potencial de quem tem deficiência intelectual. Nós impomos muito mais limites que a síndrome, achando que estamos protegendo. Isso já impede a pessoa de viver, acertar, errar, como qualquer um.
E quanto ao comportamento da família?
A gente aprende a botar a síndrome no lugar dela. No começo, fica do tamanho da sala. Depois você passa a olhar de forma positiva. O Breno (Viola, faixa preta e judô e ator do filme “Colegas”, dirigido por Marcelo Galvão), que trabalha com a gente desde o início, foi aos Estados Unidos falar na ONU.
Breno falou inglês na ONU?
Ele até arranha, mas teve tradutor, e eu também. Ele é um exemplo de capacidade. Certa vez foi a um congresso na África do Sul, com uma monitora nossa. Lá chegando, soube que “Colegas” havia levado o Kikito de melhor filme. Ele queria ir, mas a monitora não poderia acompanhá-lo. Dei a opção de ir sozinho e ele aceitou. Fez conexão no Aeroporto Charles de Gaulle, que é enorme, chegou a São Paulo e pegou outro voo para Gramado. Hoje, de 15 em 15 dias, ele vai a São Paulo, pega ônibus, táxi, tudo sozinho.
Há limites de aprendizado?
Conheci um rapaz com outro problema: paralisia cerebral. É o cineasta Daniel Gonçalves. Fiquei impressionada quando ele me contou que trabalhou para a TV Globo e que tem a própria produtora, e disse: “Tenho paralisia cerebral, mas sei fazer”. E foi ele quem produziu nossos vídeos. Ele relata que às vezes, andando na rua, as pessoas acham ele vai cair, e ele quase cai, mas de susto. É um movimento instintivo, mas que cria uma barreira.Como o a pessoa com Down ajuda a sociedade?

A experiência vem mostrando que ter uma pessoa com Down por perto traz desafios novos. Não podemos posicioná-la como fardo. Todos ganham quando há heterogeneidade.
Quais são as atividades do Movimento Down?
Reunimos experiências e as tornamos públicas; qualificamos pessoas para reproduzirem informações. Temos vídeos tutoriais, mandamos material com sugestões de atividade. Hoje temos quase 170 mil curtidas na página do Facebook. No Brasil, quase não havia informação. Diferente dos Estados Unidos, onde há uma rede muito estruturada.
Como a rede se mantém?
Temos uma equipe profissionalizada, mantida com patrocínio, e um grupo grande de voluntários, entre os quais uma médica do hospital Albert Einstein, que também tem um filho com Down.

Fonte: O Globo

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