segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Paranaense será primeira deficiente visual do Brasil a defender tese de mestrado em Engenharia Elétrica

Géssica Michelle dos Santos PereiraHá quase dez anos, a engenheira Géssica Michelle dos Santos Pereira, de 29 anos perdeu completamente a visão por conta de uma doença degenerativa. Na época, estava no meio do curso de graduação em Engenharia Elétrica na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e teve que ficar um ano fora das salas de aula para se submeter a um tratamento médico. Depois desse período, a estudante conseguiu retornar à universidade. Os percalços e o preconceito foram superados com maestria pela jovem, que conseguiu o tão sonhado diploma em 2010. Mas, apesar das dificuldades, Géssica queria ir além. Dois anos depois, iniciou um mestrado na área de Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Agora, no dia 7 de agosto, a engenheira vai entrar para a história: será a primeira deficiente visual a apresentar uma dissertação de mestrado na área de Engenharia Elétrica no Brasil.
– É importante divulgar que é possível ser cego e fazer o que quiser e atuar em qualquer área. Até mesmo na área de exatas. Podemos ser engenheiros, programadores. Se algum deficiente visual alguma vez duvidar disso, quero que lembrem do meu exemplo e vejam que é possível – afirma a engenheira.
Géssica Michelle dos Santos Pereira
Quando Géssica entrou na universidade ainda tinha 30% de visão.
Na época, acreditava que os tratamentos pudessem reverter seu quadro. Após perder completamente a visão, não quis desistir da graduação. Entrou em contato com o coordenador do curso de Engenharia Elétrica, explicou a situação e aguardou durante uma semana uma resposta da universidade para saber se poderia continuar com os estudos. A resposta foi positiva. O coordenador sugeriu, então, que começasse cursando apenas três matérias para saber se conseguiria dar conta do curso.
– Comecei com três matérias bastantes difíceis para saber se conseguiria enfrentar os desafios seguintes – “Resistência dos Materiais”, “Probabilidade Estatística” e “Sinais de Sistemas”. Elas eram muito visuais, exigiam muita análise e formulação matemática. O coordenador do curso me falou que, caso fosse aprovada nas três, conseguiria concluir o curso. E consegui – lembra Géssica.
Géssica Michelle dos Santos Pereira
Mas as coisas não foram tão simples para a estudante, cuja vida na universidade teve que ser adaptada à nova realidade. Para isso, entrou em contato com o Instituto de Cegos do Paraná, onde aprendeu a lidar com a cegueira. Além disso, adotou novas estratégias durante as aulas: gravava todas as lições e fazia aulas extras, sempre contando com a ajuda de professores. Durante a graduação, e um tempo depois, Géssica também trabalhou como assistente administrativa na Companhia de Energia Elétrica do Paraná, o que tornava sua rotina bastante agitada. No ano passado, trabalhou nos Institutos Lactec, centro de pesquisas dentro da UFPR.
Porém, segundo a engenheira, foi durante o mestrado que enfrentou as maiores dificuldades. Tinha que ler muitos artigos e fórmulas e precisava contar com a ajuda de amigos. Foi somente quando aprendeu a usar determinados softwares que conseguiu recuperar um pouco da independência.
– Na faculdade, os trabalhos são feitos mais em conjunto, enquanto que, no mestrado, são mais individuais. Aprendi a usar o LaTeX, programa de diagramação de textos, para formatar o estilo dos meus trabalhos e outras ferramentas, como MATLAB, software voltado para cálculo numérico. Consigo mexer no computador graças ao JAWS, que lê para mim tudo que está na tela. A tecnologia foi fundamental para mim. Sem ela, não teria conseguido concluir o curso – diz.
Géssica Michelle dos Santos Pereira
Géssica conta que costuma se comunicar com outros deficientes visuais da área de ciências exatas, do Brasil e do mundo. Segundo ela, há diversas listas de discussões na internet para o compartilhamento de textos, artigos e outros recursos adaptados para cegos em formato digital. A engenheira diz que o tema mais recorrente nas discussões é como lidar com recursos gráficos, como diagramas e fluxogramas, pois precisam compreender as informações sem conseguir vê-las. Outro desafio para os deficientes é formular documentos com gráficos para que outras pessoas entendam o que querem dizer.
– As listas de discussão me ajudaram a ser mais independente. Uma das mais importantes para mim foi a “Blind Math”, dos Estados Unidos. Trocamos dicas, macetes, livros em formatos digitais. Aprendi a mexer em muitos programas que usei no mestrado graças a essas listas – explica.
O preconceito, segundo a engenheira, sempre houve. Porém, defende que, de forma geral, é respeitada como profissional. Além disso, conta que os amigos sempre a ajudaram – na universidade, no mestrado ou no trabalho. A engenheira confessa que está ansiosa para a apresentação no dia 7 de agosto, quando vai, finalmente, apresentar a sua dissertação, intitulada “Alocação de bancos de capacitores e reguladores de tensão em redes elétricas inteligentes desbalanceadas”. Segundo ela, o objetivo do projeto é melhorar os indicadores de qualidade de energia fornecida ao consumidor. No futuro, Géssica conta que pretende continuar trabalhando na área de pesquisa.
Fonte: Extra

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