– É importante divulgar que é possível ser cego e fazer o que quiser e atuar em qualquer área. Até mesmo na área de exatas. Podemos ser engenheiros, programadores. Se algum deficiente visual alguma vez duvidar disso, quero que lembrem do meu exemplo e vejam que é possível – afirma a engenheira.
Quando Géssica entrou na universidade ainda tinha 30% de visão.
Na época, acreditava que os tratamentos pudessem reverter seu quadro. Após perder completamente a visão, não quis desistir da graduação. Entrou em contato com o coordenador do curso de Engenharia Elétrica, explicou a situação e aguardou durante uma semana uma resposta da universidade para saber se poderia continuar com os estudos. A resposta foi positiva. O coordenador sugeriu, então, que começasse cursando apenas três matérias para saber se conseguiria dar conta do curso.
– Comecei com três matérias bastantes difíceis para saber se conseguiria enfrentar os desafios seguintes – “Resistência dos Materiais”, “Probabilidade Estatística” e “Sinais de Sistemas”. Elas eram muito visuais, exigiam muita análise e formulação matemática. O coordenador do curso me falou que, caso fosse aprovada nas três, conseguiria concluir o curso. E consegui – lembra Géssica.
Mas as coisas não foram tão simples para a estudante, cuja vida na universidade teve que ser adaptada à nova realidade. Para isso, entrou em contato com o Instituto de Cegos do Paraná, onde aprendeu a lidar com a cegueira. Além disso, adotou novas estratégias durante as aulas: gravava todas as lições e fazia aulas extras, sempre contando com a ajuda de professores. Durante a graduação, e um tempo depois, Géssica também trabalhou como assistente administrativa na Companhia de Energia Elétrica do Paraná, o que tornava sua rotina bastante agitada. No ano passado, trabalhou nos Institutos Lactec, centro de pesquisas dentro da UFPR.
Porém, segundo a engenheira, foi durante o mestrado que enfrentou as maiores dificuldades. Tinha que ler muitos artigos e fórmulas e precisava contar com a ajuda de amigos. Foi somente quando aprendeu a usar determinados softwares que conseguiu recuperar um pouco da independência.
– Na faculdade, os trabalhos são feitos mais em conjunto, enquanto que, no mestrado, são mais individuais. Aprendi a usar o LaTeX, programa de diagramação de textos, para formatar o estilo dos meus trabalhos e outras ferramentas, como MATLAB, software voltado para cálculo numérico. Consigo mexer no computador graças ao JAWS, que lê para mim tudo que está na tela. A tecnologia foi fundamental para mim. Sem ela, não teria conseguido concluir o curso – diz.
Géssica conta que costuma se comunicar com outros deficientes visuais da área de ciências exatas, do Brasil e do mundo. Segundo ela, há diversas listas de discussões na internet para o compartilhamento de textos, artigos e outros recursos adaptados para cegos em formato digital. A engenheira diz que o tema mais recorrente nas discussões é como lidar com recursos gráficos, como diagramas e fluxogramas, pois precisam compreender as informações sem conseguir vê-las. Outro desafio para os deficientes é formular documentos com gráficos para que outras pessoas entendam o que querem dizer.
– As listas de discussão me ajudaram a ser mais independente. Uma das mais importantes para mim foi a “Blind Math”, dos Estados Unidos. Trocamos dicas, macetes, livros em formatos digitais. Aprendi a mexer em muitos programas que usei no mestrado graças a essas listas – explica.
O preconceito, segundo a engenheira, sempre houve. Porém, defende que, de forma geral, é respeitada como profissional. Além disso, conta que os amigos sempre a ajudaram – na universidade, no mestrado ou no trabalho. A engenheira confessa que está ansiosa para a apresentação no dia 7 de agosto, quando vai, finalmente, apresentar a sua dissertação, intitulada “Alocação de bancos de capacitores e reguladores de tensão em redes elétricas inteligentes desbalanceadas”. Segundo ela, o objetivo do projeto é melhorar os indicadores de qualidade de energia fornecida ao consumidor. No futuro, Géssica conta que pretende continuar trabalhando na área de pesquisa.
Fonte: Extra
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