“O ruim de ter Síndrome de Down é que no dia em que você nasce seus pais ficam um pouco tristes…, o bacana é que, depois desse dia, não voltam a ficar tristes nunca mais”.
Essa fala é do menino Blo, personagem principal de “Downtown”, um HQ espanhol, lançado pela primeira vez no Brasil pelaEditora Revan.
O livro mostra cenas cotidianas de Blo e seus amigos, todos crianças com Síndrome de Down. Através de seu olhar, os amigos inseparáveis conseguem mostrar uma realidade sem preconceitos, destacando as diferentes personalidades e gostos de cada um, tudo de forma leve, descontraída e com uma boa dose de humor, e nos arranca muitas risadas!
O humor presente nesse trabalho, criado pelos espanhóis Rodrigo García Llorca e Noël Lang busca, no entanto, ir muito além das brincadeiras. Ele tem por fim promover, na sociedade, um olhar livre de preconceitos e estereótipos. Essa proposta permite, assim, segundo os autores, que ocorra não só uma ‘desdramatização’ da Síndrome de Down, mas também a inclusão e a quebra de tabus e preconceitos em torno dessa deficiência.
“O humor é o caminho mais rápido para transmitir uma mensagem, além de nos conectar facilmente com as pessoas. Uma pessoa é bem vista quando ela nos diverte e nos faz rir, por isso cremos que integrar Blo e seu grupo através do humor é mais eficaz do que fazê-lo com um tom sério ou mais institucional”, diz Lang.
A história
A ideia de criar “Downtown” surgiu da própria experiência de vida de Lang. Por ter crescido em contato com seu tio Pablo, que tem síndrome de Down, o autor conseguiu captar o humor do tio, que vivia contando piadas, o que acabou sugerindo o estilo cômico do livro. “Quem tem um familiar com síndrome de Down tem piadas super divertidas. Nossa intenção é contá-las a partir do ponto de vista deles e sua maneira muito simples de ver as coisas”, explica.
Já o titulo do livro, “Downtown”, tem como origem o nome de um dos discos da cantora Petula Clark, objeto de afeto de Blo; ele tem apego especial por esse disco, levando-o para todos os lugares, o mesmo que fazia o tio de Lang: “Isso era algo que Pablo fazia. Ele não largava nunca de alguns objetos”.
As personagens
Blo é um garoto que gosta de ir à escola e que sonha em ser astronauta, e jogador de futebol aos domingos; Bibi é a sua namorada; Miguelote é seu melhor amigo, um rapaz grande e gordinho, que tenta fugir sempre que a brincadeira envolve fazer exercícios físicos; Ruth é a menina popular da escola, que sonha em ser famosa, ter um carro cor-de-rosa e um namorado com uma moto; e Benjamín é o protegido por todos por sofrer de tricotilomania, o hábito de arrancar os cabelos sempre que se sente nervoso ou estressado.
Apresentando DOWNTOWN, por Evaldo Mocarzel
DOWNTOWN, livro com histórias em quadrinhos dos espanhóis Noël Lang e Rodrigo García, finalmente lançado no Brasil pela Editora Revan, é um mergulho lúdico e apaixonante na diversidade do universo da Síndrome de Down.
Sem pieguice ou paternalismos equivocados, as divertidas tiras descortinam a riqueza de inquietações e aspirações de um grupo de pré-adolescentes com Síndrome de Down, liderados pelo protagonista Blo, livremente inspirado no tio de Noël Lang, Pablo, que tem a Trissomia 21 como uma das características de sua personalidade.
O que é a Síndrome de Down? Se enveredarmos pela chamada “literatura médica”, o quadro é tosco, quase monolítico, não focalizando a miríade de possibilidades desse acidente genético que guarda incontáveis potencialidades, não apenas “deficiências”, em seus mistérios cromossômicos.
Quem já recebeu a impactante notícia de ter uma filha ou um filho com Síndrome de Down em uma maternidade sabe do despreparo da classe médica na transmissão de uma informação que não é tão grave assim. Há soluções, sobretudo estimulações, e a experiência é uma espécie de depuração existencial para as famílias, com direito ao convívio com pessoas que vão semear nas nossas vidas momentos especiais alentados por humor e por uma sabedoria fina ainda não devidamente estudada pela medicina, que tende a ser sinônimo de patologização.
DOWNTOWN traz essa riqueza, esse humor, essa sabedoria, uma nova modalidade de fruição existencial que, na verdade, são muitas, incontáveis, como todas as dialéticas humanas com relação ao mundo que nos rodeia.
Ainda chegaremos a um estágio de maturidade civilizacional no qual a Síndrome de Down será encarada como uma mera característica da personalidade das pessoas, como a cor dos olhos ou a tonalidade dos cabelos. Todo ser humano precisa de estimulações, não apenas as pessoas com Trissomia 21. E também ninguém é “portador” de nada. Somos seres múltiplos, diversos, imensos e infinitos em nossas especificidades. A diversidade é uma dádiva da natureza humana e a nossa riqueza reside justamente nessa pluralidade.
O conceito de “normalidade” precisa ser banido do nosso dia-a-dia para que possamos viver a delícia e também a dor de todas as nossas potencialidades e deficiências, sem exceção. Sem preconceitos estúpidos, quase sempre frutos da falta de informação, e também sem paternalismos equivocados, que, no fundo, são discriminações às avessas, principalmente aquelas que são provenientes de qualquer tipo de fundamentalismo inclusivo, que pode ser tão nefasto quanto a intolerância.
A turma de Blo reunida em DOWNTOWN, formada ainda por Bibi, sua noiva, e pelos amigos Miguelote, Benjamin e Ruth, nos dá uma divertida aula de diversidade e deveria estar presente em todas as instituições de ensino, além de se fazer necessária nos hospitais e maternidades, onde a falta de informação ainda marca forte presença, o que por vezes acaba gerando algum tipo de rejeição nos pais. Esse sentimento negativo, fruto do despreparo de tantos médicos e enfermeiras no momento de dar a notícia, é a porta de entrada dos fantasmas da discriminação, que nasce dentro das próprias famílias.
De maneira lúdica e profunda, DOWNTOWN desmistifica monstros que não existem. Blo e seus amigos nos mostram que a natureza humana é composta de universos particulares, cada um é cada um, independentemente de qualidades e defeitos, potencialidades ou deficiências. Um lançamento que nos traz sabedoria sem didatismo, humanidade sem paternalismo e inclusão sem fundamentalismo.
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